quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Variação linguística em resumo


A língua portuguesa sofre diversas variações de acordo com os grupos nos quais é falada.

Essas variações podem ser do vocabulário (tangerina / mexerica), de sintaxe (estou a comprar... / estou comprando...), de sons, ou seja, fonética (meninu / mEninu [obs.: anotações fonéticas]).

Desse modo, cada grupo fala de acordo com seus costumes. Os falares diferentes podem ser conforme:

- a região (sudeste, "pipa" / nordeste, "papagaio");
- idade (criança, "Vou papá" / adulto, "Vou fazer a refeição");
- o gênero (mulher, "O filme é uma gracinha" / homem, "O filme é maneiro");
- a classe social (classe baixa, "Nóis vai trabaiá" / classe alta, "Nós vamos trabalhar");
- a profissão (jargão profissional: delegado, "Autuamos o meliante");
- a situação (no trabalho, vocabulário formal / em casa, vocabulário informal);
- o tempo histórico (antigamente, "Vossa mercê é muito elegante" / hoje em dia, "Você é muito elegante").


Concluindo

Vimos com esse pequeno resumo que há "várias línguas" dentro da própria língua portuguesa. Ou seja, ela sofre inúmeras modificações. Mas essas modificações têm um certo limite. E é nesse limite que faz com que a língua portuguesa, apesar das diferenças, tenha uma unidade maior.

É importante ainda salientar que não devemos ter preconceito com os outros falares, já que cada grupo fala de acordo com seu costume, de acordo com seu entendimento e experiência de mundo. É nesse sentido que não podemos classificar, a rigor, o que é certo ou errado em língua portuguesa. Seria melhor dizer adequado e não adequado. Afinal, ninguém usaria um vocabulário rebuscado numa partida de futebol ou gírias durante uma entrevista de emprego.

Assim, um dos objetivos da escola é ensinar aos alunos uma linguagem mais formal para situações mais formais, já que essa variação linguística nem sempre a trazemos de casa, onde a língua se dá de maneira mais solta e espontânea.


Prof. Ivonilton Gonçalves de Souza

quinta-feira, 22 de abril de 2021

 Substantivo


Esta classe gramatical tem como característica nomear os seres. Sejam eles:

concretos - casa, cadeado, cadeira, mesa, , homem, Deus, unicórnio etc.;

abstratos - amizade, paixão, beleza, felicidade, chegada, trabalho etc.

A diferença que se estabelece entre um substantivo concreto de um abstrato se dá pelo fato de o substantivo abstrato ser, muitas vezes, derivado de um adjetivo, dar nome a alguma qualidade (a beleza), sentimento (a emoção), estado (a tranquilidade), ou mesmo nomear uma ação (a construção). Além disso, está sempre vinculado a outro ser. Ex.: O trabalho é intenso (alguém trabalha, o substantivo "trabalho" depende de alguém que o execute). Ao ponto que o concreto nomeia um ser; seja real (casa) ou do imaginário (unicórnio), cujo ser é independente.

Os substantivos também se dividem em:

Próprios. Nomeiam um ser específico, único: Marcelo, Jesus, Cora Coralina, Carlos Drummond de Andrade, Portugal etc.

Comuns. Nomeiam seres sem o identificarem como únicos, mas pertencentes a um conjunto: casa, carro, cama, sapato, lua, fevereiro etc.

Obs.: Sabemos que só existe uma lua e um mês de fevereiro, mas encaixam-se também em substantivos comuns, já que são nomes individualizados mas não próprios.

Lembramos ainda que em frases como

"Muitos Machados de Assis estão surgindo neste momento.

"Virei uma maria, pois não paro de arrumar a casa."

nós temos verdadeiros substantivos comuns em "Machados de Assis" e "maria", já que no primeiro caso o nome do escritor se refere a pessoas que escrevem tal como ele atualmente, e no segundo "maria" quer aí dizer que a pessoa faz muitos trabalhos domésticos.


Substantivos Coletivos


Há ainda os substantivos que representam todo um grupo de seres. São os substantivos coletivos. Exs.: 

Laranjal - de laranjas

Cardume - de peixes

Caravana - de viajantes

Etc.


Prof. Ivonilton G de Souza









quinta-feira, 15 de abril de 2021

Semântica: mais algumas observações sobre sinônimos



A aula do dia 8 de abril "Existem sinônimos perfeitos?" tinha o propósito de fazer as seguintes observações:

1. Nem todos os sinônimos (palavras diferentes com o mesmo significado. Ex.: alegre - feliz) são iguais, porque cada palavra traz no seu interior um sentido diferente.

2. Esse sentido diferente diferente se dá por alguns motivos:

a) O contexto em que a palavra é usada. Numa discussão é mais fácil alguém dizer que tem "raiva" do que "não tem estima", ou mesmo "tem desafeto", pois estas últimas são maneiras mais polidas de falar, úteis em comunicados escritos e/ou formais, mas não na hora da explosão emocional.

b) As palavras se enquadram em usos profissionais (os jargões). É muito comum escutarmos nos noticiários sobre algum crime os policiais usarem o termo "meliante" em vez de "bandido". Como também é mais fácil escutarmos de um dentista que vai "extrair" seu dente do que "arrancar".

c) A intenção do falante. Se alguém quer dizer que gosta muito de você  vai preferir usar o termo "apaixonado" em vez de "te amo bastante". Algumas intenções podem ser irônicas até (invertendo o sentido da palavra e equivalendo-a ao seu oposto), como em: O ditador é "carinhoso com as pessoas". Ora "ditador" aqui equivale à "truculento".

d) O contexto histórico/geográfico. Usar o termo "alcunha" dá um sentido mais antigo ao comunicado, já que hoje quase todo mundo usa "apelido". Como "telemóvel" é usado em Portugal e "celular" no Brasil, ambos são sinônimos, mas sofrem variações regionais. 

e) O contexto social. É mais fácil escutarmos escutar de alguém com pouca escolaridade que está "buchuda" em vez de "grávida", por exemplo.

3. Todos os tópicos do ítem 2 fazem intercessão e são aprofundados em outro assunto: a Variação Linguística.

4. O campo semântico das palavras pode se ampliar ou reduzir. Assim a palavra veículo está no campo semântico de carro, de navio, de avião, de bicicleta. Mas não está no campo semântico de casa, já que ela se enquadra no campo semântico de moradia. Por outro lado, se dissermos veículo com quatro rodas podemos incluir carro, alguns caminhões, alguns ônibus, algumas vans. Se dissermos de duas rodas, teremos moto e bicicleta. Por isso que num comunicado do DETRAN é comum vermos: "A vistoria do veículo será feita tal dia". Mas por quê? Porque é um termo que vai abranger carros, caminhões, ônibus, motos. É claro que o fato de sabermos que se trata de veículos urbanos já exclui naturalmente aviões, por exemplo. Mas se eles pusessem de automóveis, só iriam aparecer na vistoria esses tipos de veículos.


Pois bem. O uso de palavras adequadas é fundamental para a boa expressão. Se mal usadas surgem ruídos na comunicação, o que pode gerar transtornos como no exemplo do DETRAN acima. 

Mas por outro lado os sinônimos, quando bem usados, podem nos auxiliar na coesão do texto, pois nos ajudam a fazer retomadas sem necessariamente usar os mesmos termos. Assim, podemos variar de palavras com o mesmo significado para evitar repetições enfadonhas, pesadas aos ouvidos.

Por fim, gostaria de salientar que a inexistência de sinônimos perfeitos fica bem clara numa poesia. Mas por quê? Porque o poeta trabalha principalmente com o eixo de seleções de palavras. Ou seja, seleciona as palavras com minúcia para dar todo um sentido especial ao seu texto. Diferente da prosa - onde o que mais importa é a sequência de palavras (o eixo sintagmático) - , a poesia trabalha com o eixo paradigmático, vertical. Vou dar um exemplo:


"No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra"

Este é um fragmento do famoso poema de Carlos Drummond de Andrade, "No meio do caminho". E o que mais impressiona nele? É que "No meio do caminho tinha uma pedra". Ora, como se vê, pedra é uma palavra fundamental no poema. É ela que traz toda chave de interpretação. Interpretação que pode ser simbólica (linguagem conotativa) ou literal (linguagem denotativa). Por se tratar de uma poesia, vamos ficar com a possibilidade simbólica, com a metáfora pedra. O que ela sugere? Pode sugerir um obstáculo, não? E um obstáculo muito simples (a própria construção do poema é simples), uma pedra. Ou então complicado, pois se repete várias vezes e até mesmo pedra parece ser algo duro. Pois então. O que significa essa pedra é na verdade o leitor que vai dizer. Ele só traz um certo "clima", uma sugestão. Agora imagina se Drummond coloca o termo "rocha"?! Não ia ficar diferente? Teria o mesmo peso de sentido que o poeta quis colocar? Não. Muito menos se fosse "No meio do caminho tinha um 'granito'". Ou "No meio do caminho tinha um 'mineral'". É por isso que no poema a seleção, a escolha das palavras são tão importantes.

O mesmo não se diria se eu escrevesse:

"O homem viu que seu armário estava vazio, saiu de seu apartamento, foi ao mercado e comprou comida. Depois o rapaz voltou para casa e guardou seus mantimentos na dispensa."

Isso é um texto em prosa, que criei agorinha mesmo. Veja quantas palavras são mudadas: homem/rapaz; armário/dispensa; apartamento/casa; comida/mantimentos. Todos esses pares de palavras são sinônimos. Percebe-se que um texto em prosa, que é mais linear, trabalha com mais força no eixo sintagmático, horizontal; percebe-se que a mudança de palavras por outros sinônimos não causa tantas mudanças de sentido quanto num poema, no qual a carga semântica é maior. É claro que se esse homem fosse um senhor ficaria mais estranho eu usar o termo rapaz. Como usar o termo mantimento já se aproxima um pouco mais do uso formal do que comida. Mais afastado e estranho seria se usasse "víveres" ou "ração", que seria um "sinônimo", já bem deslocado, de comida. Se estivéssemos numa guerra, talvez, ração fosse mais usado.

De qualquer modo, no texto da pessoa (outro sinônimo, diga-se de passagem) que vai ao mercado, o uso de sinônimos ajudou no processo de coesão do texto (na sua costura), evitando assim que repetisse a toda hora os mesmos termos, as mesmas palavras. Apesar de não ser tão perfeitos assim, por isso que os sinônimos têm seu devido lugar de estudo nos compêndios gramaticais. Ajuda-nos a apreciar um texto com mais conforto e clareza, comutando quando possível o uso lexical (de palavras). E sempre inserido no estudo da Semântica, chave de apreensão dos múltiplos significados do texto.


Prof. Ivonilton G de Souza

segunda-feira, 12 de abril de 2021

O que são classes gramaticais?



Quando vamos estudar a língua, temos que fazer uma análise dela. Fazer uma análise é decompô-la em partes. Da mesma forma que analisando a água decompomos suas partes e descorimos que ela é feita de duas móleculas de hidrogênio e uma oxigênio, representado por H2O. Assim toda frase é composta de palavras que se relacionam entre si, pois uma recebe influência da outra. Esse relacionamento entre as palavras denominamos de sintaxe; tal como na molécula da água, onde hidrogênio e oxigênio se ligam para formar o composto químico H2O.


Pois bem. Até certo ponto, há uma certa dificuldade em se analisar isoladamente as palavras, já que elas no discurso, nas frases, estariam se relacionando. Mas, de qualquer modo, as palavras podem e devem receber um tratamento próprio também. Afinal, temos que colocar ordem na casa. E por isso cada palavra tem sua natureza única, sua peculiaridade, seu jeito especial e inconfundível.

Assim, não foi à toa que falei "colocar ordem na casa". Senão, vejamos... Imagine um quarto todo bagunçado. Não é difícil achar as coisas? E para arrumá-lo não devemos separá-las por itens? Então vamos supor que essas coisas espalhadas sejam só roupas. E você terá que separá-las e colocá-las cada uma em sua gaveta específica. Assim, calças vão para gaveta de calças; roupas íntimas para gaveta de roupas íntimas, camisas para gaveta de camisas e assim por diante..

Ora, imagine então que cada gaveta represente uma classe gramatical. Desse modo, substantivo iria para gaveta de substantivo, adjetivo para a de adjetivo, verbo para a de verbo etc. O que eu quero dizer com isso? Quero dizer que as CLASSES GRAMATICAIS são a "arrumação" das palavras de acordo com suas maneiras de ser. E a classificação de cada palavra é o agrupamento em "gavetas" específicas.  Em gavetas específicas porque cada grupo de palavras se comporta de maneira diferente de outro. Do mesmo modo que não dá para colocar uma calça na cabeça. Isso, claro, se a pessoa não for doidinha.

Assim, podemos dizer que há 10 gavetas. Ou seja, 10 classes gramaticais. 10 comportamentos diferentes das palavras, que vão se reunir nas frases. E por isso mesmo podem (mas isso vamos ver depois) assumir outras classes a partir do momento que vão se organizando, adquirindo relações no texto. Todavia, o que importa de início é a essência dessas palavras, sua natureza primitiva. Básica. Eis as classes gramaticais:

Substantivo

Adjetivo

Advérbio

Verbo

Artigo

Pronome

Conjunção

Preposição

Numeral

Interjeição

Todas essas classes veremos depois. Mas o que quero salientar aqui (sem querer, evidentemente, complicar muito as coisas) é o seguinte: a palavra mesmo com sua característica específica, originária, pode, em contato com outra na frase, adquirir um modo de ser diverso. Por isso, é necessário entrar com mais um conceito aqui: o de SINTAXE. E o que é sintaxe? É a relação que as palavras mantém entre si, uma puxando a outra para sua esfera de influência, como o Sol puxa a Terra e a Terra a lua. Mas não vamos nos desesperar, pois meu intuito aqui não é embaralhar a cabeça de vocês e deixá-los doidinhos, enfiando calças pelas cabeças. Mas sim já deixar claro que as palavras podem mudar de classes gramaticais. E classes classes gramaticais são estudadas pela MORFOLOGIA. Só a título de exemplo:

A palavra "belo" é, inicialmente, um adjetivo. Adjetivo porque tem a função de qualificar e especificar um ser, dar suas características. Assim:

O céu é belo.

Como o céu é? Qual sua característica? Ele é BELO. Por essa razão é um ADJETIVO.

Agora vamos supor que um filósofo, Platão por exemplo, dissesse isto:

O belo é verdadeiro.

Aqui as coisas já mudam, né? Pois BELO agora DEIXOU de ser um adjetivo e passou a ser um SUBSTANTIVO. Por quê? Porque está nomeando algo. Passou, assim, a ser o nome de um ser abstrato, nomeia uma qualidade. Por isso é um substantivo abstrato. Além (como veremos em outra oportunidade) de ser o sujeito da frase. E assim VERDADEIRO passou a ser o ADJETIVO porque especifica como é o belo, qualifica-o.


Ufa... Vamos devagar, né? De qualquer forma, é preciso desde já ter algumas coisas já em mente para não cair em erros lá na frente. O estudo das classes gramaticais (morfológicos), apesar de ter certa autonomia, deve ser acompanhado, sempre quando se fizer necessário, do estudo da sintaxe. A isso dá-se o nome de MORFOSSINTAXE (morfologia+sintaxe). É claro que inicialmente é possível analisar as palavras sozinhas, em suas características primitivas. Mas elas não são só palavras isoladas como verbetes de dicionários; mais do que isso as palavras se inserem em frases (como vimos acima) e as frases em discursos. Mas isso, até certo ponto, não nos impede de saber que uma calça é uma calça e uma camisa uma camisa. Não nos impede de arrumarmos nossas "roupas-palavras" nas gavetas. Afinal, quem de vocês gosta de bagunça? Bem... Não precisam responder...



Prof. Ivonilton G de Souza


quinta-feira, 8 de abril de 2021

Semântica: existem sinônimos perfeitos?



Tomemos os seguintes enunciados:


O meu CARRO está na oficina.

Estacionamento para VEÍCULOS autorizados.

O AUTOMÓVEL foi uma invenção de 1769.


Ora, como vemos os três termos em destaque são palavras que, grosso modo, podemos denominar sinônimos, já que se referem a uma mesma coisa, pelo menos no sentido geral: algo que se locomove por si próprio ou serve para carregar coisas e/ou pessoas.

Mas, se nos determos nos enunciados, veremos que um  termo não substitui o outro satisfatoriamente, pois cada um carrega uma ideia peculiar, se encaixando no contexto do enunciado de maneira mais adequada. Afinal, mesmo sendo possível, ninguém diz por aí "Meu VEÍCULO está na oficina", ou "O VEÍCULO foi uma invenção de 1769".

E vou além, no último caso acima, a frase ficaria até meio sem sentido, já que charrete com cavalos pode ser também um veículo. E com certeza foi descoberta muitos anos antes.

Nesse sentido, não há sinônimos perfeitos. Assim, carro é uma espécie de popularização do termo automóvel. Aliás, termo que já até havia, basta olhar seu derivado carruagem. Automóvel por sua vez se enquadra num termo mais técnico de uma invenção, ou seja, algo que se move, através de propulsão (antes a vapor e hoje até por eletricidade). E, por fim, veículo é termo, hoje em dia, muito usado em sinalizações de trânsito, documentos burocráticos de departamentos de governo etc.

É claro que esses termos podem se deslocar; serem usados, por exemplo, ao mesmo tempo em uma concessionária como "carros", "veículos", ou "automóveis". Afinal, ainda continuam sendo sinônimos, mesmo que haja algumas sutilezas nos seus usos e significados próprios. O que queremos, porém, ressaltar aqui é que não há sinônimos perfeitos. Somente aproximações.

Quer ver um exemplo mais clássico? O substantivo ASSENTO.

Ora, logo observamos que assento pode ser uma cadeira, um sofá, um banco, uma poltona, um canapé. Pois segundo o dicionário online Michaelis é:

"Superfície sobre a qual se pode sentar".

Mas pergunto: uma cadeira pode ser igual a um sofá ou um banco? Claro que não. Só para confirmar: por quê? Porque cadeira é um assento como um sofá, mas é um assento com encosto, enquanto no banco não há encosto. Mas e a poltona? A poltrona tem encosto. Mas, convenhamos, não é tão confortável quanto uma cadeira, pois costuma ser mais baixa, altamente acolchoada e macia. E, para quem não conhece nem ouviu falar, devem estar curiosos para saber sobre o canapé. Bem. Canapé é um mobliário antigo, surgido no século XVIII. Semelhante ao sofá, mas sua estrutura, geralmente de madeira, é mais bem decorada, muitas vezes com ornamentos ao estilo rococó, com ondulações graciosas. Caiu em desuso. Por isso, apesar da semelhança, não podemos compará-lo ao sofá, invenção mais moderna. Aliás, devido à semelhança de como se "assentavam" petiscos num pão surgiu até um homônimo: o canapé (alimento), que é hoje um conhecido salgadinho.

Bem. Tendo já passado essas curiosidades sobre o "canapé assento" e o "canapé salgado", vamos ao que nos interessa. A palavra assento envolve outros termos, que nela estão contidos: sofá, cadeira, banco, poltona e o agora conhecido canapé. Estas palavras possuem o mesmo CAMPO SEMÂNTICO (de significado): todas são mobliários para sentar-se. Mas algumas possuem uns atributos positivos (+) e outras negativos (-). Assim podemos esquematizar, como exemplo, palavras do campo semântico de ASSENTO:

- Possui pés?
Cadeira (+), sofá (+), banco (+), canapé (+), poltrona (+).

- Possui encosto?
Cadeira (+), sofá (+), poltrona (+), canapé (+ -), banco (-).

- Possui braços?
Cadeira (+ -), sofá (+ -), canapé (+ -), poltrona (+ -), banco (-).

Como se vê, o campo semântico de assento pode se restringir; pois há, como vimos acima, os que possuem encosto (+) - excessão do canapé que pode não ter, por isso colocamos o símbolo (+ -)  -  e o que não possui (-); o mesmo se diz dos braços, alguns podem possuir (+ -), mas um nunca possui, o banco (-).

Assim, procedendo dessa forma, agrupando as palavras podemos classificá-las de acordo com seus respectivos significados. Às vezes unindo-as em grupos menores ou afastando-as de outros grupos. Quando as semelhanças são praticamente nulas e até opostas temos então antônimos. Mas isso não impede que haja sempre um conjunto maior. Por exemplo água é bem diferente de pedra (antônimos), mas ambos são minerais. Mineral seria o conjunto que as contém, que por sua vez é um conjunto que se diferencia do conjunto dos seres biológicos (ave, homem, micróbio etc). E por aí vai...


Conclui-se com essas lições que, ao utilizarmos palavras, devemos escolhê-las com cuidado e minúcia. Até mesmo para não criar mal entendidos. Por isso, dentro de uma profissão,  dífícilmente vamos escutar de um advogado "Vou fazer um pedido ao juiz", mas sim "uma PETIÇÃO"; ou de um médico "O paciente está com um cancro do mal na pele", mas "um TUMOR MALIGNO". O uso correto dos termos, a adequação das palavras são tão importantes que, quando mal utilizadas e fora dos seus contextos, podem causar muitos problemas. E isso vale para todos. Até mesmo para o Presidente de um país no exercício de sua profissão, já que, mais do que qualquer um, tem o dever de representar sua população com decoro e dignidade. As palavras são os retratos da alma.


Prof. Ivonilton G de Souza





quarta-feira, 7 de abril de 2021

Notas sobre aspectos literários  em "Furto de flor", de Carlos Drummond de Andrade


A seguir,  trago um texto de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), um dos nossos melhores escritores. Nascido em Minas Gerais e tendo se fixado no Rio, Drummond destacou-se na poesia e na crônica literária, sendo conhecido mundialmente.



Furto de flor

Furtei uma flor daquele jardim. O porteiro do edifício cochilava, e eu furtei a flor.

Trouxe-a para casa e coloquei-a no copo com água. Logo senti que ela não estava feliz. O copo destina-se a beber, e flor não é para ser bebida

Passei-a para o vaso, e notei que ela me agradecia, revelando melhor sua delicada composição. Quantas novidades há numa flor, se a contemplarmos bem.

Sendo autor do furto, eu assumira a obrigação de conservá-la. Renovei a água do vaso, mas a flor empalidecia. Temi por sua vida. Não adiantava restituí-la no jardim. Nem apelar para o médico de flores. Eu a furtara, eu a via morrer.

Já murcha, e com a cor particular da morte, peguei-a docemente e fui depositá-la no jardim onde desabrochara. O porteiro estava atento e repreendeu-me.

– Que ideia a sua, vir jogar lixo de sua casa neste jardim!


(Carlos Drummond de Andrade)



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Interpretação do texto


Esse texto de Drummond é uma crônica. Crônica porque fala de fatos do dia a dia, mistura realidade com ficção, ou seja, história criada pela imaginação. Nesse sentido há quem diga que pode ser até um conto, história exclusivamente ficcional. Como as fronteiras são tênues, próximas (e o autor não dá opinião diretamente), podemos até usar o termo crônica literária. De qualquer modo, é um texto leve e descontraído, que termina com um humor. O fato de o porteiro, que antes estava dormindo, ver o rapaz devolvendo a flor, já morta, no jardim e dizer que é "lixo".

Mas qual a mensagem que o texto passa? Encerra alguma moral? Acreditamos que sim, pois a crônica fala do arrependimento do homem que furtou a flor, tirando-a do seu ambiente natural. É bem significativo quando no final do quarto parágrafo ele diz: "Eu a furtara, eu a via morrer". Isso já indica uma certa angústia do narrador. Desse modo, a literatura tem a função também de passar conteúdos morais. Alguns textos literários fazem isso com mais clareza, tratando o tema literário unicamente com fim pedagógico e moralista. Estes textos são as fábulas, que encerram sempre uma "moral da história". Já outros textos ficcionais trazem a questão moral mais implícita, ou seja, não tão clara, cabendo ao leitor descobrir nas entrelinhas qual significado ético do texto. Desse modo, a crônica (ou conto) de Drummond se enquadra nesse segundo tipo de texto. O autor não faz alusão direta ao comportamento dos personagens, mas de certa forma induz ao leitor a pensar algo a respeito do caráter deles (aqui no caso o porteiro e o narrador, que pegou a flor). Assim, podemos inferir que a pessoa que furtou a flor tinha boas intenções, mas que seu gesto não foi tão bom, como também imaginar que o porteiro do edifício era relapso, preguiçoso em seu trabalho. Mas de qualquer forma cabe mais ao leitor essas conclusões. O narrador da história só narra os fatos, indicando as situações para colocá-las em julgamento de quem lê.

Esse texto é repleto de sentimentos do narrador, que está em primeira pessoa (ele mesmo narra sua história). São sentimentos de amor, carinho com a flor, cuidados, arrependimentos etc. Assim, a literatura está sempre analisando as características psicológicas das pessoas, seus afetos, sua personalidade, enfim. E muitas vezes nos identificamos com essas personalidades. Isso se dá da mesma maneira que nos identificamos com um personagem bíblico ou de uma novela, por exemplo. Essa é uma das tarefas principais da literatura: nos enxergarmos atrás dos personagens. Enxergarmos muitas coisas que às vezes não vemos no nosso dia a dia. Serve como um "espelho" para nos vermos. E para, além de tudo, vermos o outro. Vermos que há uma pluralidade de maneiras de agir das pessoas. Nesse sentido, podemos dizer que a obra literária traz várias visões de mundo. E isso pode ser muito importante, pois aprendemos a nos depararmos com as diferenças e vermos que nem todos são iguais. Mesmo que haja atitudes boas ou más.

Não cabe à literatura dizer as coisas  com necessária objetividade, por isso é comum realçar os objetos, colorir sua narração com o que chamamos de figuras de linguagem. Figuras de linguagem são maneiras de escrever que trazem um estilo pessoal e próprio, dando mais sentimento, mais afetos, mais emoção ao que é contado. Assim, por exemplo, fica mais bonito dizer para alguém que se gosta "Seus olhos brilham no meu coração" do que simplesmente dizer "Tenho afeto por você". Sim. Usar a linguagem literária é uma boa forma de conquistar corações. Por esse motivo, Drummond, ao invés de dizer que "a flor estava se recuperando bem", preferiu dizer: "notei que ela me agradecia". Ou então, no momento trágico da história, ele diz "com a cor particular da morte" em vez de simplesmente dizer que ela morria.

Assim, todo texto literário possui esses dois requisitos que aqui vemos nessa crônica:

- O conteúdo. A moral, o significado ou mensagem interior que o texto quer passar. No caso, a questão do furto, do egoísmo de querer a flor em casa, do arrependimento etc.

- A forma. Como a história é contada, seu exterior. Pode ser contada em forma de fábula, poesia, romance, conto ou crônica. Pode ser contada com um ou mais parágrafos, com uma escrita formal (português "oficial") ou informal/coloquial (português popular). Pode ser contada com bastante figuras de linguagem ou de maneira até mais seca.


Concluindo, a literatura está sempre a serviço de uma questão moral, psicológica, sociológica e filosófica e, por outro lado, como é arte (e arte tem a função de embelezar), está também sempre a serviço da estética, da forma especial como se escreve, estilo próprio. São esses dois conjuntos que trazem, que evocam identificaçôes e sentimentos a nós. É como uma música: às vezes prestamos atenção só na letra (conteúdo), às vezes percebemos só a música mesmo (a melodia, o ritmo, o som, a forma em si). Mas é no conjunto forma/conteúdo que temos a obra por inteiro. 


Prof. Ivonilton G de Souza




segunda-feira, 8 de março de 2021

Sobre ciência, sociedade e estudos da língua


Há muitos colegas, professores de Português e Linguística, que, talvez por influência do Estruturalismo (ou por uma postura científica, por um positivismo "isento" demais), são extremamente conservadores. Chomsky é uma excessão rara (e até contraditória, se confrontarmos seu ativismo com sua postura científica). 

Não basta estudar a língua somente em sua imanência, em seus pares opositivos, como bem queria Saussure e depois nessa mesma esteira Levy-Strauss na Sociologia, aniquilando com a história, fazendo dela um cristal. Ignorar a língua como uma troca social, pragmática, como labirintos psíquicos, com intenções discursivas, com seus vários falares (e disputas de classes até) é ignorar sua realidade viva e humana. Não há mais tempo para estudos da linguagem sem ser contextualizados socialmente. O Estruturalismo já produziu o que tinha que produzir, até Todorov sabe disso, fruto de uma guerra fria. Mesmo que tenha sido um movimento que descobriu um caminho próprio da ciência da linguagem - cuja importância não negamos -, nunca deixou de ser estéril. 

E aí caímos numa questão recorrente. Até que ponto foi realmente isento? Até que ponto muitos professores e pesquisadores da linguagem são isentos? Até que ponto a ciência é isenta? Não tomar partido da língua como atividade social é ser também político. Político de um establishment que a todo custo evita tocar no assunto, pois não pode ser derrubado. E assim cria-se - inconsciente ou mesmo intencionalmente - uma realidade abstrata em um mundo concreto.

Professor Ivonilton Gonçalves de Souza